MOÇAMBIQUE NÃO DEVE PAGAR A DÍVIDA OCULTA “O governo moçambicano não deve pagar os USD 1.157 milhões de dívida oculta contraída entre 2013 e 2014 pelas empresas MAM e ProIndicus.”

O governo moçambicano não deve pagar os USD 1.157 milhões de dívida oculta contraída entre 2013 e 2014 pelas empresas MAM e ProIndicus. Neste artigo, argumentamos que esses empréstimos destinaram-se a empresas privadas, sem qualquer responsabilidade do Governo. As garantias de empréstimos concedidas pelo então Ministro das Finanças violaram a Constituição da República e a lei orçamental moçambicanas.

Nos termos do contrato do empréstimo, qualquer acto relacionado com a falta de reembolso seria julgado pelos tribunais ingleses. Moçambique foi aconselhado que os tribunais ingleses não considerariam a violação da Constituição moçambicana, mas isso não constitui verdade. Uma decisão do Tribunal Supremo de Londres, tomada em Março deste ano, referiu que a falta de cumprimento das regras domésticas por um Estado mutuário deve ser considerada por um tribunal inglês.

Isso significa que se os credores levassem o caso aos tribunais ingleses contra o governo moçambicano, esses credores teriam uma maior probabilidade de perder. Portanto, eles certamente hão-de negociar o caso na forma de reembolso parcial e tentarão forçar os bancos que organizaram os empréstimos, nomeadamente o Credit Suisse e o VTB, a aceitar alguma parte da responsabilidade, porque as suas propostas foram enganosas e imprecisas. Moçambique já se recusa a pagar esses empréstimos, e deve continuar a fazê-lo.

A terceira parte da dívida, USD 850 milhões para Ematum, é mais complexa porque o governo aceitou a responsabilidade sobre ela. Nacionalizou os títulos, convertendo títulos emitidos por uma empresa privada, a Ematum, em dívida soberana. No entanto, os títulos de dívida (Eurobonds) originais também eram ilegais e tinham sido deturpados pelos bancos. Assim, Moçambique não pode recusar-se a pagar a dívida da Ematum, mas os detentores de obrigações podem estar dispostos a aceitar reduzir o volume daquela dívida, por via de renegociação.

Os créditos

O total do pacote de crédito é de USD 2.007 milhões e é complexo. Envolve três novas empresas nacionais moçambicanas e cinco créditos efectuados por dois bancos, o suíço Credit Suisse e o banco russo VTB. Três dos créditos estão em forma de empréstimos agrupados (syndicated loans), o que significa que um banco organiza um “sindicato de credores” que fornecem o dinheiro; os empréstimos agrupados são secretos e o mutuário faz reembolsos ao banco que os efectua, desconhecendo a fonte real do dinheiro. Dois dos créditos estavam em forma de títulos de dívida (Eurobonds), que são públicos e podem ser negociados em bolsas de valores.

Daqueles créditos resultaram três empresas e os pacotes de empréstimos foram acordados entre 2013- 14. As empresas foram criadas como sendo “empresas moçambicanas de direito privado” mas detidas pelo Estado, sendo controladas pelos serviços de informação e segurança do Estado (SISE). As empresas são:

ProIndicus – esta foi a primeira empresa a ser criada em Janeiro de 2013. Ela é detida em 76% pela Monte Binga, uma empresa do Ministério da Defesa Nacional, e em 33% pelo SISE. O empréstimo agrupado (syndicated loan) para o financiamento dessa empresa foi de USD 622 milhões – sendo USD 504 milhões provenientes do Credit Suisse e USD 118 milhões do banco VTB. Ambos os créditos foram contraídos secretamente em Fevereiro e Junho de 2013, respectivamente.

Ematum (Empresa Moçambicana de Atum) – foi criada em Agosto de 2013. Cada um dos seus accionistas detinha um terço de participações, a saber, o Instituto de Gestão de Participações do Estado (IGEPE), a Empresa moçambicana de pesca (Emopesca) e o SISE. A Ematum foi financiada com um total de USD 850 milhões, sendo USD 500 milhões provenientes do Credit Suisse, e USD 350 milhões do VTB. As operações foram levadas a cabo por esses dois bancos, e um terceiro, o BNP Paribas, em Agosto de 2013. Os títulos foram vendidos sem chancela parlamentar, mas a venda de títulos foi pública. O então Presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza, o então Presidente francês, François Hollande, e o proprietário do estaleiro Iskandar Safa, estiveram presentes na cerimónia de 29 de Setembro de 2013 no estaleiro em Cherbourg, Normandia.

MAM (Mozambique Asset Management) – esta terceira empresa foi criada em Maio de 2014. Ela é detida em 98% pelo SISE, em 1% pela Ematum e restante 1% pertence à Proindicus. A MAM foi financiada por via de um empréstimo agrupado no valor de USD 535 milhões provenientes do banco russo VTB.

António Carlos do Rosário, um alto funcionário do SISE e Presidente do Conselho de Administração (PCA) das três empresas, declarou na Comissão Parlamentar de Inquérito para Averiguar a Situação da Dívida Pública, em 2016, que o contrato foi adjudicado directamente à Constructions Mécaniques de Normandie – Abu Dhabi MAR (CMN/ADM) como um contrato negociado, sem um concurso público. Esta empresa também negociou o financiamento. O dinheiro foi directamente ao CMM/ADM sem passar pelo Tesouro moçambicano; Moçambique recebe o equipamento e formação, mas não o dinheiro.

A emissão da dívida da Ematum foi controversa e os doadores começaram a congelar a ajuda. Em Novembro de 2013, o FMI e o governo acordaram que os USD 500 milhões dos títulos da Ematum foram destinados a compras militares, e não à pesca, e os USD 500 milhões foram transferidos ao Orçamento do Estado, sendo que os USD 350 milhões remanescentes ficaram com a empresa privada, a Ematum. O empréstimo da ProIndicus permaneceu em segredo, e o empréstimo da MAM foi efectuado apenas posteriormente.

As quintas eleições gerais foram realizadas no dia 15 de Outubro de 2014 e o novo governo do Presidente Filipe Nyusi tomou posse em Janeiro de 2015. Um crédito de reserva com acordado com o FMI e o primeiro pagamento foi feito a Moçambique em Dezembro de 2015. No final de 2015, o governo tentou renegociar a emissão dos títulos da Ematum para pagar por um longo período de tempo. Isto foi finalmente acordado em Março de 2016, quando os Eurobonds foram substituídos por uma nova emissão dos títulos do governo moçambicano. A documentação necessária como parte dessa emissão de títulos aventou mais dívida do que aquela que tinha sido revelada e, em Abril de 2016 foram revelados os USD 1.157 milhões em dívidas secretas da MAM e da ProIndicus. O FMI cortou o crédito de reserva e os doadores interromperam o apoio ao orçamento, declarando que o governo havia mentido por não ter incluído mais de USD 1 bilhão em garantias de dívida em relatórios prestados ao FMI e aos doadores. Esta questão é o foco do caso legal, conforme se discute adiante.

O que está errado?

Existem quatro factores que tornam ilegítimo esse pacote de dívida de USD 2 bilhões: primeiro, uma garantia ilegal de créditos privados; segundo, as declarações exageradas e duvidosas pelos bancos promotores; terceiro, a falha dos credores e compradores de títulos em levar a cabo o due diligence; e quarto factor, uma provável corrupção.

Primeiro factor: a garantia ilegal concedida pelo governo. Embora todos os cinco créditos tenham sido destinados a empresas privadas, as garantias governamentais foram assinadas ou pelo então Ministro das Finanças, Manuel Chang, ou pela então Directora Nacional do Orçamento (actualmente Vice-Ministra da Economia e Finanças), Isaltina Lucas. Nenhum de ambos tinha o direito de fazê-lo. A Comissão Parlamentar de Inquérito para Averiguar a Situação da Dívida Pública disse no seu relatório de 30 de Novembro de 2016 que “deve ser entendido que as garantias emitidas são nulas”, uma vez que o acto da emissão das garantias excedeu os limites estabelecidos nos orçamentos de 2013 e 2014 e, portanto, “violou” o artigo 179 da Constituição, bem como as leis do orçamento. Esta conclusão foi corroborada pelo Tribunal Administrativo (TA) em Novembro de 2016.

Segundo factor: o prospecto dos bancos. Conforme referido por António Carlos do Rosário à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), o financiamento foi avançado pela empresa contratante. Os documentos sobre a viabilidade das empresas e os empréstimos foram elaborados pelos bancos que organizaram os empréstimos, nomeadamente o Credit Suisse e o VTB. Do Rosário disse ainda à CPI que os bancos concordaram em manter secreto o conteúdo militar dos empréstimos e ressaltou que os principais objectivos dos empréstimos eram a protecção costeira e não a pesca. Dos USD 850 milhões da Ematum, apenas USD 91 milhões foram destinados aos barcos de pesca, disse ele.

Os bancos forneceram os estudos de viabilidade, dizendo que as três empresas seriam “altamente lucrativas” e podiam reembolsar facilmente as dívidas, de acordo com a CPI, mas o que se observa na realidade é o contrário: as empresas não têm possibilidade de reembolsar as dívidas. Os estudos de viabilidade incluíram projecções plenamente irrealistas, tal como a referência de que Moçambique poderia vender atum a um preço cinco vezes mais alto do que o preço que as Seychelles vendem; que os barcos que passavam pelo Canal de Moçambique pagariam altas taxas a essas empresas privadas; e que estas ganhariam contratos de segurança para os projectos off-shore de gás natural. Tanto os credores como os mutuários podem agora argumentar que foram enganados.

Terceiro factor: Due diligence. Em processos de empréstimos, espera-se sempre que os bancos e os fundos de investimento levem a cabo um processo de due diligence, em que se faz uma investigação independente de qualquer proposta de empréstimo, para assegurar que a parte mutuária não tenha mentido ou exagerado as perspectivas de reembolso do empréstimo que pretende contrair.

Os bancos têm a responsabilidade especial de efectuar due diligence, e os fundos de investimento que compram títulos ou empréstimos agrupados (syndicated loans) muitas vezes confiam nos bancos como tendo efectuado uma verificação adequada (due diligence).

Os fundos de investimento nos empréstimos agrupados assinaram acordos dizendo que realizaram eles próprios sua due diligence. No entanto, a ser verdade, mesmo a mais elementar due diligence teria demonstrado que de acordo com a Constituição da República de Moçambique, o Ministro das Finanças não tinha poder de assinar as garantias, que o preço esperado do atum era extremamente exagerado, que não havia contratos de protecção costeira com as companhias de gás natural e que estes eram improváveis, e que os créditos eram em grande parte para fins militares ou de segurança. Também deveria ter sido óbvio que todo o pacote de crédito de USD 2 bilhões elevaria a dívida de Moçambique ao nível de insustentabilidade. Assim, qualquer relatório de due diligence deveria ter demonstrado que não havia possibilidade de a dívida ser paga.

Quarto e último factor: Corrupção. A Directora-Geral do FMI, Christine Lagarde, disse à BBC no dia 18 de Maio de 2016 que, ao manter os empréstimos secretos, o governo de Moçambique está “claramente a dissimular a corrupção”. Toda a estrutura dos empréstimos: pagamento efectuado no exterior, um contrato de ajuste directo, falta de registos contabilísticos, entrega de navios inapropriados e de baixo valor – parece ter sido delineada para promover a corrupção. Ninguém ainda foi identificado e responsabilizado, mas paira um cheiro de corrupção sobre todo o pacote do empréstimo de USD 2 bilhões.

A dívida é ilegítima

O empréstimo de dinheiro tem vindo a acontecer por milénios, e muitas vezes é bom – emprestamos dinheiro para construir as nossas casas e começar negócios, e os governos, também, pedem emprestado dinheiro. E há um contrato – o mutuário promete pagar, mas como o banco não quer perder o seu dinheiro, então verifica se o mutuário tem condições de o pagar. Para países em desenvolvimento e pessoas que iniciam novos negócios, os credores têm um responsável para verificar se o uso do dinheiro é prudente. Isso é chamado de dever fiduciário – uma obrigação de agir no melhor interesse de outra parte. Os advogados têm um dever fiduciário para seus clientes e, assim, o têm os bancos – as pessoas vão aos bancos para obter assessoria financeira e não esperam ser enganadas pelo banco.

Mas nos momentos em que há capital mundial excedente, como actualmente, os bancos internacionais são menos cuidadosos. No que diz respeito à dívida oculta de Moçambique de USD 2 bilhões, os bancos não assumiram o risco próprio, mas dispuseram outros para emprestar o dinheiro ao país. E eles pintaram uma imagem desonesta das garantias do Estado, e assim Moçambique conseguiu ver seu atum a poder custar cinco vezes mais caro do que o das Seychelles, e também garantiram-se contratos de segurança. Os bancos não fizeram o due diligence e, portanto, falharam no dever fiduciário, tanto para aqueles que emprestaram o dinheiro quanto para Moçambique. Isso foi agravado com o facto de que os bancos mantiveram em segredo o detalhe de que os empréstimos eram para gastos militares, e foi pior ainda porque os empréstimos facilitaram a corrupção. Um empréstimo é considerado “ilegítimo” quando o banco não cumpre com o seu dever fiduciário, tal como aconteceu neste caso; o empréstimo torna-se da responsabilidade dos bancos e não do mutuário. Moçambique tem um forte argumento moral para não pagar a dívida essa dívida ilegítima. Contudo, terá também um argumento legal?

Moçambique pode recusar-se a pagar

Neste momento, Moçambique simplesmente não está a pagar nenhuma das dívidas secretas. Pode apenas recusar-se a pagar? O governo efectivamente nacionalizou a dívida da Ematum por emitir títulos do governo para substituir os emitidos pela empresa privada, dificultando a recusa de pagamento. Retornamos a este aspecto mais adiante. Mas os empréstimos de USD 1.157 milhões da MAM e da ProIndicus são diferentes: são empréstimos contraídos para empresas privadas e o governo nunca aceitou a responsabilidade sobre eles.

Os contratos de títulos e empréstimos dizem que qualquer disputa deve ser resolvida em tribunais ingleses. Isso significa que, se estes não estão sendo pagos, os detentores das obrigações e os credores agrupados (que incluem bancos moçambicanos) teriam de levar o caso judicial a Londres – para forçar o pagamento dos títulos e tentar executar as garantias governamentais assinadas por Manuel Chang e Isaltina Lucas nos empréstimos da MAM e da Proindicus.

A resposta de Moçambique a qualquer acção legal seria de que as garantias violaram a Constituição da República e a Lei Orçamental moçambicanas. Por via de due diligence que se espera existir em quaisquer casos de empréstimos, os bancos credores deviam estar cientes de que as empresas eram inviáveis e as garantias emitidas eram ilegais.

Uma decisão de Março no Tribunal Superior de Londres torna muito mais provável que a defesa de Moçambique seja bem-sucedida, e o tribunal determinará que a garantia não pode ser aplicada. Sabemos que o Ministério da Economia e Finanças foi informado pelos seus assessores de que o tribunal de Londres não tomaria em consideração a Constituição e as leis de Moçambique. Mas a decisão no Tribunal Superior de Londres de 29 de Março, assinada por Sir William Blair, irmão do ex-primeiro-ministro, Tony Blair, mostra que isso não constitui verdade. Ele decidiu que o não cumprimento da legislação e da Constituição nacionais é “relevante” e deve ser tomado em consideração por um tribunal inglês.

O caso referido acima envolve a recusa da Ucrânia de pagar por títulos de dívida (Eurobonds) de USD 3 mil milhões desembolsados pelo banco russo VTB no qual a Rússia comprou todos os títulos. Esses títulos, tal como no caso de Moçambique, são cobertos pela lei inglesa. Numa situação idêntica a Moçambique, a Ucrânia argumentou que o Ministro das Finanças concordou com o empréstimo sem que fosse aprovado pelo parlamento, conforme exigido pela Constituição Ucraniana. O Juiz Blair observou não haver antecedentes e este parece ser o primeiro caso desse tipo. É um caso extremamente complexo, em parte porque também envolve a ocupação russa da Crimeia, um detalhe não relevante para Moçambique. O texto completo da decisão está disponível em https://www.judiciary.gov. uk/judgments/law-debenture-v-ukraine/

O Juiz Blair decidiu contra a Ucrânia, dizendo que um Estado tem a capacidade de pedir empréstimo e que “o Ministro das Finanças tinha a autoridade para se envolver numa transacção em nome da Ucrânia”, e que os credores não tinham motivos para suspeitar que o empréstimo era inapropriado. Este aspecto é o último ponto que funciona a favor de Moçambique, por causa das condições do empréstimo da Ucrânia que jogaram a seu desfavor em Londres serem opostas àquelas do caso moçambicano.

O empréstimo da Ucrânia foi ao governo e foi aprovado pelo ministério; tem havido muitos empréstimos semelhantes, o governo da Ucrânia recebeu o dinheiro e o mesmo foi incluído nas contas de moeda estrangeira do Tesouro, assim como foi publicado no seu website; os pagamentos de juros foram efectuados, mas nunca foi declarado que o empréstimo era ilegal e ilegítimo.

Os empréstimos concedidos a Moçambique foram exactamente feitos em contornos diferentes daqueles ucranianos. Em Moçambique, trata-se de empresas privadas e não do Estado; os empréstimos não foram aprovados pelo Conselho de Ministros; nenhuma parte do dinheiro entrou em Moçambique; as dívidas da MAM e da ProIndicus nunca foram incluídas em contas nacionais; as declarações governamentais enfatizaram que estes são empréstimos a empresas privadas e todas as conclusões de análises e investigações das autoridades públicas moçambicanas (Comissão Parlamentar de Inquérito, Tribunal Administrativo, Procuradoria Geral da República) disseram que os empréstimos foram contraídos de forma inconstitucional e ilegal.

O secretismo à volta dos empréstimos significava que os credores não tinham as declarações públicas que os levassem a acreditar na legalidade e deveriam ter feito a sua própria investigação, o que teria demonstrado que os empréstimos eram inapropriado. Ademais, o contrato que os credores assinaram revelou que eles fizeram tal investigação – mesmo que pareça que poucos realmente o tenham feito.

Assim, mesmo que a Ucrânia tenha perdido o seu caso, Moçambique poderia usar esse caso e a declaração do merítissimo Juiz Blair de que o não cumprimento das regras nacionais é relevante, para que os empréstimos agrupados da MAM e da ProIndicus pelo menos sejam declarados ilegítimos e, consequentemente, não sejam pagos.

Tal como aconteceu com o caso da Ucrânia, cabe aos credores levar o caso legal a Londres, e parece haver uma grande possibilidade de eles perderem. Isso poderia dar um grande impulso a Moçambique em qualquer renegociação das dívidas ocultas.

Caso Moçambique ganhe o seu caso, então, tanto os credores como os detentores de obrigações moveriam processos contra os bancos Credit Suisse e VTB, alegando que foram enganados e que estes bancos violaram o seu dever fiduciário.

Renegociação e pagamento com desconto

Pensamos que todas as partes envolvidas no processo prefeririam que este caso não fosse julgado, podendo haver um acordo para um reembolso parcial (pagamento com desconto), e tentar forçar os bancos a aceitar alguma parte da responsabilidade. Há efectivamente três grupos envolvidos, cada um com as suas próprias razões de não querer ir a um tribunal de Londres. O motivo mais essencial é que a maioria dos documentos apresentados num tribunal inglês são públicos, e como nenhuma das partes tem mãos limpas, eles prefeririam manter o segredo. Senão, vejamos:

Os detentores do empréstimo agrupado podem não ganhar o caso, e preferirem ter algum dinheiro a não terem nenhum. Eles também não quereriam admitir em tribunal, num processo aberto ao público, de que afinal eles não fizeram o seu próprio due diligence como deveriam ter feito;

É bem possível que os documentos apresentados revelem a corrupção ou negligência havida em Moçambique, facto que o Governo de Moçambique não gostaria que se tornasse público;

A conduta dos bancos Credit Suisse e o VTB está mergulhada em duras críticas e os seus próprios relatórios de due diligence e outros documentos seriam apresentados ao público, o que claramente aqueles bancos não quereriam.

O Ministério da Economia e Finanças com os seus consultores devem traçar uma estratégia de negociação. Ele já tomou o primeiro passo correcto ao não efectuar nenhum pagamento até agora. Isso obriga os credores e detentores de obrigações a ameaçar com procedimentos legais – e é interessante que nenhum deles ainda tenha feito isso, sugerindo que eles não querem ir a um tribunal de Londres. Em negociações fechadas, Moçambique precisa enfatizar que a dívida é ilegítima e é responsabilidade das empresas privadas, a MAM e a ProIndicus liquidar a dívida, e que a responsabilidade recai sobre os bancos Credit Suisse e VTB que estruturaram os empréstimos e os títulos de dívida originais.

Os detentores de obrigações reconhecem que os títulos de dívida (Eurobonds) originais da Ematum eram ilegítimos e que o Credit Suisse e o VTB agiram erradamente, mas também argumentam que o governo nacionalizou o crédito ilegítimo da Ematum e, portanto, assumiu a responsabilidade de reembolsar. Em privado, eles também aceitam que haverá uma renegociação que reduza a dívida que deve ser reembolsada em nome da Ematum.

Os credores e o governo moçambicano vão querer levar o Credit Suisse e VTB à negociação, embora aqueles dois bancos resistam e venham ameaçar com uma acção legal. Essa negociação multilateral complexa pode continuar por um ano ou mais. O objectivo seria que os credores agrupados e os detentores de obrigações aceitassem uma redução no valor de seus créditos, para que o Credit Suisse e VTB encontrem uma maneira de pagar alguma compensação por sua conduta inapropriada, e para Moçambique concordar em fazer alguns reembolsos, provavelmente começando apenas daqui a sete anos. Mas em qualquer declaração pública bem como nas negociações, Moçambique deve deixar claro que não aceita assumir qualquer responsabilidade pelas dívidas ilegais e ilegítimas da MAM e da ProIndicus. Assim, Moçambique pode e deve recusar-se a pagar. 

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